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TELHADO DE VIDRO

Escrito por Marco Ornellas

Começando pelo óbvio: toda vez que uma empresa faz uma divulgação, seja em redes sociais ou nos antigos meios de divulgação (velha mídia, para alguns), a intenção é alcançar um resultado positivo, transmitindo uma imagem que reflita seus valores. Por isso, espera-se que toda comunicação seja pensada, vista e revista, analisada por várias pessoas. As redes sociais vieram adicionar um componente de periculosidade nesse processo, uma foto tirada com o celular e postada imediatamente, perdendo esse tempo de análise devido à rapidez do meio. Claro que isso não deveria acontecer em grandes empresas, que precisam ter um cuidado – enorme – com tudo aquilo que postam. Exatamente por isso, em um mundo hiperconectado como o nosso, onde enfim a Diversidade está em pauta, certos “descuidos” não se justificam. Postar uma foto, em que toda a equipe é branca, está sem máscara e aglomerada em tempos de pandemia, levanta várias questões. Aqui, o “descuido” não é só em relação a imagem postada, mas à realidade da empresa, da qual a foto é só um instantâneo da sua cultura interna. Nessas últimas semanas, estamos acompanhando o caso da Ável, que em seu site se identifica como “o maior escritório digital da XP Investimentos”, que postou a foto descrita acima, com consequências imediatas. E elas foram desde a discussão lançada nas redes sociais, até ações jurídicas contra a empresa. Entre as reações nas redes, tivemos o post de Lilia Schwarcz, onde um trecho dizia: “Esse é um retrato de como a branquitude se quer neutra; mas não é. Ela é um lugar de privilégio e de naturalização do privilégio. Não importa a empresa. Ela é apenas um sintoma da desigualdade e do racismo à brasileira.”. Já na esfera jurídica, entidades dos movimentos negro, feminista e de defesa dos direitos humanos protocolaram no dia 18 de agosto uma ação civil pública, tanto contra a Ável como contra a própria XP, pela falta de diversidade no quadro de funcionários. O valor da ação é de R$ 10 milhões, além de exigir que as empresas cumpram uma série de medidas pra aumentar a diversidade em seus quadros. Poucos posts custaram tão caro. Vale também olhar para um caso recente, envolvendo uma grande campanha de comunicação, ou seja, algo que trafega no oposto da velocidade das redes sociais. Aqui, estamos falando de um comercial do jeito tradicional, com agência de publicidade, produtora de vídeo, aprovação do cliente. No caso, a Snickers. Na Espanha, ela precisou tirar do ar um comercial do seu chocolate, após acusações de homofobia. A peça, seguindo o slogan da campanha internacional da marca, você não é você quando está com fome, mostrava um conhecido influencer digital gay que, depois de comer uma barra de chocolate da empresa, voltava ao “normal”, um homem hetero, bem masculino (no entender dos criadores). Estamos em 2021. Ninguém, na longa cadeia de criação, produção e de aprovação de uma campanha milionária, levantou a questão de que um roteiro desses poderia ser ofensivo?  No Brasil, a mesma campanha passou incólume, por volta de 2013, usando o mesmo conceito, mas com a atriz Betty Faria. Podendo ser acusada de etarismo, é impossível o mesmo comercial voltar a ser veiculado nos dias de hoje. Mas na falta desses, outras campanhas recentes têm caído no mesmo “descuido”, envolvendo marcas como Pepsi, Devassa, Riachuelo, Perdigão, Audi e a mais memorável, da Dove. Em uma sequência de fotos, aparecia uma mulher negra vestindo uma blusa marrom. Ela retirava a blusa marrom e surgia uma mulher branca, usando uma blusa branca. Mais uma vez, ninguém na longa cadeia de produção e aprovação não viu nada de errado nisso. Descuido é a palavra que foi usada por alguns, para justificar o post da Ável. E isso é revelador, já que o problema parece ter sido a divulgação da foto, não a realidade da empresa. Descuido, segundo o dicionário, significa atitude irrefletida, imprudência, ausência de atenção. Quando uma empresa opta por deixar o jogo seguir, sem parar para pensar a sociedade em volta, é claramente uma atitude irrefletida. Um descuido. Agir assim, em tempos em que tantos, felizmente, estão atentos e têm voz para externar seu descontentamento, é mesmo uma imprudência. Um descuido. O que essas empresas têm demonstrado é um descolamento da realidade, uma falta de entendimento das mudanças que já chegam com atraso, uma enorme ausência de atenção. Um descuido. E as consequências não param na própria empresa, respingando para os seus parceiros, como foi nesse caso. Surge o questionamento: será que outras práticas dos parceiros estão sendo observadas pela XP? Quais são os critérios para se estabelecer uma parceria? Eles passam por questões de cultura, envolvendo aí Diversidade & Inclusão? Temos visto sempre as empresas se posicionando com desculpas, depois que fatos como esses acontecem. É louvável reconhecer o erro, mas a questão é: erros desse tipo ainda precisam ser cometidos? Tantos sinais, tanta informação, a discussão sobre Diversidade & Inclusão está nas ruas há anos. Mesmo que tenha ficado muito mais forte nos últimos digamos, cinco anos, é muito tempo. As consequências já estão aí, temos várias empresas que podem servir de exemplo do que acontece quando escolhem ignorar a realidade. E esse é só o começo. Se empresas como Carrefour, Samarco ou agora a XP, conseguem passar pelo arranhão na imagem e seguir em frente, talvez em pouco tempo isso não seja mais possível. Um arranhão pode se tornar uma fenda, conforme a consciência da população crescer a uma velocidade que seja maior que a das empresas. Essa equação tem que se inverter. Já que depositamos, como sociedade, mais atenção nos exemplos que vem do mundo corporativo, é preciso que as organizações entendam de fato a sua responsabilidade, não só com seus stakeholders, mas com a sociedade onde estão inseridas como um todo, e tomem a frente nessas mudanças. É preciso que sejam os exemplos, as referências, não os pontos fora da curva. Os sinais estão sendo dados. Se uma empresa ainda não olha para eles, o descompasso se torna imenso e são enormes as chances de, a cada tentativa de comunicação, um novo “descuido” acontecer.   Artigo escrito por Marco Ornellas – Consultor e CEO da Ornellas Community
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