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PRESSÃO OLÍMPICA ALÉM DA MEDIDA

Escrito por Marco Ornellas

  Muita gente sonha com um grande momento esportivo, seja em uma Olimpíada ou Copa do Mundo. A maioria das crianças – e mesmo adultos – se imagina fazendo o gol de um título ou o ponto final do seu esporte preferido. Ou, a partir desse ano, uma performance arrasadora no skate ou no surf. Isso é evidenciado no número de praticantes aumentando à medida que o desempenho brilhante de nossos ídolos é premiado. Mas algo que dificilmente acompanha essas idealizações – e as notícias – é a pressão que cerca os atletas. Imagine estar no lugar da goleira Bárbara, da seleção olímpica, na disputa de pênaltis com o Canadá, valendo vaga para a semifinal, sabendo que milhões de pessoas em todo o mundo estão vendo você nesse momento, que a alegria ou a tristeza do seu país depende da sua capacidade de impedir que a bola entre, que seus companheiros dependem de você, que sua família espera poder se orgulhar, que a sua performance será celebrada ou atacada em redes sociais, depois. Não é fácil. Aliás, a figura de um goleiro nessa situação é tão apropriada e forte que existe até um filme com esse nome, O Medo do Goleiro Diante do Pênalti, produção alemã da década de setenta, que passou em Portugal com o título de A Angústia do Guarda-Redes no Momento do Penalty. O título lusitano talvez seja mais contemporâneo do que a nossa versão nacional. Mais contemporâneo ainda, seria trocar Medo (ou Angústia) por Ansiedade. A saúde mental entra cada vez mais, na pauta das discussões do dia. Ansiedade, síndrome do pânico, depressão e outros transtornos estão à nossa volta, tornando-se assustadoramente comuns. É praticamente impossível encontrar alguém que não tenha um amigo ou parente que esteja enfrentando alguns desses problemas. E com a pandemia do covid-19 esses números cresceram assustadoramente. Um recente estudo realizado pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UEFJ) revelou um aumento de 90% nos casos de depressão, já o número de pessoas com crises de ansiedade e estresse agudo praticamente dobrou entre março e abril de 2020. No campo dos esportes, o que aconteceu com a ginasta americana Simone Biles colocou o assunto ainda mais em pauta. Atletas, seja em que esporte for, desafiam seus corpos diariamente, com uma rotina de treinos, restrições alimentares e muita disciplina. O grande problema, é que o preparo e apoio mental são, na grande maioria das vezes, deixados de lado. Pior: muitos treinadores vão no caminho contrário, acrescentando uma pressão desnecessária às equipes ou atletas que treinam, no velho estilo e crença de que a pressão exagerada e constante leva a performances elevadas. É o clássico líder tóxico, que já foi exaltado no passado, como aquele capaz de tirar o melhor de cada um dos seus comandados, não importando o custo adicional em saúde mental. Como se fosse pouco, ainda existem as recorrentes denúncias de abusos e todo tipo de assédio, em vários esportes. A vida cotidiana desses atletas está longe de ser glamourosa e cheia de flashes. Atletas precisam se preocupar não apenas com o esporte em si e sua performance, mas com aquilo que possibilita que possam ter as melhores condições de treinos, o que necessariamente implica na busca por patrocinadores. Ser adotado ou não por uma marca faz toda a diferença. Tanto, que o judoca português Jorge Fonseca, após conquistar a medalha de bronze no judô até 100 kg, fez questão de mandar uma mensagem: “Dedico essa medalha aos dirigentes da Adidas e da Puma, por dizerem que eu não tinha capacidade para ser seu representante. Já mostrei que sou bicampeão do mundo, terceiro nas Olimpíadas, o que preciso mais para ser patrocinado pela Adidas e Puma?” Se por um lado, o patrocínio de uma marca traz algum conforto material e apoio financeiro, por outro lado, aumenta a responsabilidade e a pressão. Para lidar com essa realidade, cada dia mais extenuante e sacrificante, é que surgiu a Psicologia Esportiva, uma área da Psicologia que ainda engatinha no Brasil. Em matéria sobre o assunto na revista IstoÉ, o Doutor em Psicologia e técnico de basquete, Raphael Zaremba, declarou: “Existe uma falta de clareza de qual é o papel do psicólogo no esporte, seu tipo de atuação e sua importância. Isso é a base do preconceito, há uma estigmatização muito grande de que ter um psicólogo é para quem tem algum transtorno mental ou patologia, além da ideia de que recorrer à psicologia é sinal de fraqueza. Um outro fator é a falta de investimento e, com baixos orçamentos, muitas vezes é considerado um luxo ter um profissional desses numa equipe. Isso serve para todos os meios: pessoal, corporativo e esportivo.” Apesar da seleção masculina de futebol contar com o trabalho de psicólogos, a CBF ainda não possui um Departamento de Psicologia instituído, o que corrobora a declaração acima. Uma das primeiras atitudes da sueca Pia Sundhage, ao se tornar técnica da seleção feminina de futebol, foi justamente incorporar uma psicóloga esportiva à sua comissão técnica. Ou seja, Bárbara e as jogadoras da seleção, eliminadas pelo Canadá, contam com um apoio inestimável, que certamente faltou a Simone Biles. Saúde mental precisa urgentemente ser vista como prioridade, seja no esporte, no mundo corporativo ou em casa. Essa é a grande e próxima pandemia a que precisamos estar cada vez mais atentos e preparados.   Artigo escrito por Marco Ornellas – Consultor e CEO da Ornellas Consulting
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