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ISSO É BRASIL?
Artigo de Marco Ornellas e Fabio Brandi Torres

Escrito por Marco Ornellas e Fabio Brandi Torres

Por muito tempo, se propagou que a prosperidade estava logo ali, depois da próxima curva. Iríamos nos tornar uma potência, ser um exemplo para o mundo, ter nosso lugar assegurado entre os grandes, cumprir o destino de um país onde a arte é tão exuberante quanto a natureza e onde todos são vistos como iguais, sem exceção. Seríamos, enfim, o país do futuro. Mas não aconteceu. Não chegamos a esse tal futuro e descobrimos que não somos uma “democracia racial”, como se tentou vender, muito pelo contrário. Essas visões ufanistas só serviram para nos atrapalhar, muitas vezes tendo um efeito reverso e implodindo a nossa autoestima, criando o que o dramaturgo Nelson Rodrigues chamou de “complexo de vira-latas”, que ele definia como: “…a inferioridade em que o brasileiro se coloca, voluntariamente, em face do resto do mundo. O brasileiro é um narcisoàs avessas, que cospe na própria imagem.” E essa tem sido a regra. Muitas vezes, vemos o brasileiro criticando o país de forma como não se vê pessoas de outras nacionalidades fazerem. Autocrítica é fundamental, claro, mas não é o que acontece aqui, porque as críticas são sempre feitas para os outros brasileiros, um grupo ao qual o crítico nunca pertence. O problema são sempre “eles”. Quem são “eles”? Aqueles que não pensam como “nós”. “Nós” somos poucos, “eles” são muitos, por isso, “o Brasil nunca vai dar certo”. Tanto o ufanismo quanto o viralatismo não ajudam em nada, mas atrapalham em tudo. Por isso, os dois devem ser abandonados. Opiniões superficiais devem ser trocados por análises objetivas e realistas, buscando olhar para a sociedade que temos e, assim, conseguir identificar seus problemas. Nessa semana, em que tivemos o caso chocante da revelação do vídeo do julgamento relativo ao estupro de Mariana Ferrer, voltaram a aparecer afirmações como “só aqui mesmo” ou “isso é Brasil!”. Mas será que isso é mesmo o Brasil? Sim e não. Sim, porque sem dúvida, é um lado da nossa sociedade, onde os privilégios ainda pertencem a só um grupo. Mas não, porque existe um outro lado, aquele que luta para estabelecer uma igualdade de condições, que batalha pela inclusão, pelo reconhecimento da diversidade, que rejeita o ódio como política ou filosofia de vida. E não podemos deixar que esse lado seja menor que o outro. É por ele que devemos lutar. O caso do julgamento escancarou uma realidade: uma mulher que procura a Justiça para denunciar um caso de abuso ou de violência, encontra um sistema que privilegia o homem. Acho que não precisamos de mais exemplos, mas aqui vai um, acontecido há menos de dois meses: um homem confessou ter tentado matar a ex-mulher, com três facadas, mas disse que foi motivado por ciúmes. Depois de absolvido pelo Tribunal do Júri de uma cidade próxima a Belo Horizonte, que acolheu a tese da legítima defesa da honra (em 2020!), o caso ainda foi parar na 1ª Turma do STF, onde se manteve a primeira decisão, com um placar de 3 a 2. A ironia ficou por conta do voto final, que foi dado por uma mulher, a juíza Rosa Weber. É triste que esse caso não tenha tido nenhuma repercussão, como seguramente milhares de outros também não tiveram. E isso é Brasil. No caso dessa semana, o que fez a diferença foi a possibilidade de vermos Mariana sendo atacada. E aqui me refiro às imagens do julgamento online, onde vimos o advogado de um acusado tentar desqualificar e humilhar uma vítima. E imagens têm força. A divulgação delas causou indignação, protestos, mostrando que temos uma necessidade real de mudança. E isso também é Brasil. Mas que país nós queremos? Mais do que isso: que sociedade nós queremos construir? Se a resposta for que queremos uma sociedade justa e igualitária em suas oportunidades, temos muito a fazer, o caminho é longo. A primeira coisa é entender a luta de outros grupos. Entender que não podemos fechar os olhos quando uma mulher busca justiça e encontra mais violência ou quando portas do mercado de trabalho se fecham para alguém, em função de sua cor, gênero ou religião. Não podemos aceitar situações como essa e a mudança tem que começar dentro das nossas casas, claro, mas principalmente em nossos ambientes de trabalho. É onde as mudanças realmente vão ter efeito. O que a sua empresa tem realizado para assegurar a Diversidade e a Inclusão? Os requisitos mínimos estabelecidos por lei estão sendo cumpridos? Ela vai ser parte da construção de um novo país, de uma nova sociedade? É uma coisa muito boa não sermos mais o país do futuro. Livres dessa utopia, dessa promessa que sempre está por acontecer, temos a chance de sermos o país do presente, construindo esse tempo a cada dia e mudando o que precisa ser mudado. Principalmente, mudando o sentido em que é usada a frase “Isso é Brasil!”.   Artigo escrito por Marco Ornellas – Consultor e CEO da 157next.academy e Fabio Brandi Torres – Dramaturgo, Roteirista, Escritor e Diretor Teatral
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