Curadorias

UMA HORA DA VERDADE PARA O PROPÓSITO
Artigo de Tom Moore

Durante as últimas semanas, testemunhamos o desenrolar de uma tragédia humana em escala global. Antes de tudo um desafio sanitário, o impacto mais amplo da Covid-19 se estende por todas as áreas da sociedade. Ela impactou nossas vidas irrevogavelmente.

Isso nos forçou a refletir sobre como vivemos, quem nos tornamos e para onde estamos indo no futuro. As implicações da crise continuarão a reverberar, por todos os lados, moldando esta década e além.

Conforme o choque inicial da crise vai diminuindo, é natural olhar para frente. Como indivíduos e organizações, estamos começando a considerar as nuances da nossa realidade pós-pandêmica.

Vem se dizendo que muitos aspectos de nossas vidas serão separados em AC (antes do corona) e DC (depois do corona). O modo como viajamos, consumimos, nos relacionamos. Muitos elementos da nossa existência estão passando por mudanças radicais.

Ao passo que não há como voltar para as versões AC de nós mesmos, o terreno DC combinará o novo com o familiar. Como a Zona no clássico filme “Stalker”, de Tarkovsky, elementos do nosso mundo pós-Covid serão imediatamente reconhecíveis e, ao mesmo, ainda reconfigurados, interagindo conosco de novas maneiras.

Algumas das ideias e narrativas antigas desaparecerão. Outras que estiveram conosco em nossas vidas AC permanecerão, mas sua importância e impacto terão aumentado exponencialmente.

Nascimento do Propósito

O conceito contemporâneo de Propósito — um objetivo maior para além do lucro, impulsionando as atividades de uma organização — tornou-se cada vez mais reconhecido na última década. Embora tenhamos visto um crescimento maior nos últimos cinco anos, o pico inicial de interesse no assunto foi em 2008. Veio como uma resposta direta à crise financeira, quando muitas organizações foram forçadas a questionar seu pensamento histórico e adotar novos modelos.

O Propósito pegou embalo na crença pós-2008 de que negócios precisam redefinir seu papel e seu relacionamento com a sociedade. Empresas podem ser uma força para o bem. Elas podem deixar de ser predatórias e focadas em resultados de curto prazo. Em vez de limitar seu foco à geração de valor para os acionistas, negócios podem adotar a ideia de criar valor compartilhado para todos.

Esse crescimento de negócios orientados por Propósito se vinculou diretamente a um novo entendimento da economia e um maior questionamento de modelos econômicos fundamentados no crescimento contínuo.

Nos últimos anos, os sinais foram ficando maiores:

  • Uma explosão de pesquisas empíricas sobre o porquê empresas orientadas por Propósito têm um desempenho melhor do que seus pares sem Propósito;
  • O crescimento de movimentos comoBCorp e Capitalismo Consciente;
  • Business Roundtable se afastando da primazia dos acionistas;
  • Manifesto de Davos por um melhor capitalismo;
  • E o Edelman Trust Barometer mostrando que 75% das pessoas acreditam que negócios podem ser uma força para o bem na sociedade, sendo ao mesmo tempo lucrativos.

Uma Hora da Verdade

Pela perspectiva deste início de 2020, vemos que esta é a primeira crise global desde que o Propósito entrou no mainstream dos negócios.

Este é um novo território para o Propósito.

Um ponto crítico em sua jornada das margens ao centro do discurso das empresas.

O Propósito chegou à sua própria hora da verdade.

Poderemos vê-lo reforçar-se como um pilar central dentro do mainstream dos negócios. Ou poderemos ver uma ruptura radical e o fim de sua recente história de evolução.

Como em qualquer hora da verdade, isso se dará por um desses dois caminhos.

Capitalismo de Crise

Em um cenário mais pessimista, a crise da Covid-19 e suas fagulhas estimularão uma postura reacionária de volta a formas mais predatórias de capitalismo. Curto-prazismo e lucros rápidos imperando. Isso resultará em uma diminuição na adoção do Propósito, ou mesmo uma rejeição generalizada das ideias e valores contidos nele.

Este cenário é real.

Em seu livro The Shock Doctrine (A Doutrina do Choque), Naomi Klein descreve o modelo econômico de crescimento constante como uma “máquina de criar crises”. Em momentos de extrema dificuldade, as pessoas estão mais fracas e vulneráveis, e menos propensas a resistir à imposição de novas realidades.

A história nos dá uma visão clara dos perigos envolvidos quando um sistema está sob alta tensão. Klein mostra como momentos de crise têm sido usados frequentemente para impor modelos econômicos neoliberais de livre mercado. Tomadas de poder e imposições econômicas, impensáveis em circunstâncias mais calmas, tornam-se o padrão.

Fomos avisados.

Uma Visão Alternativa

Como destacou Yuval Noah Harari uma crise serve para acelerar processos históricos. Se nos permitimos adotar uma perspectiva mais otimista, a crise da Covid-19 poderá na realidade acelerar a adoção do Propósito.

Neste cenário, assim como o colapso financeiro de 2008 ajudou a introduzir o conceito de Propósito, a crise da Covid-19 poderá acelerar a próxima fase de transformação dos negócios e uma forma de capitalismo mais centrada no social.

Mais empresas começando a enxergar a interdependência de suas relações com a sociedade e o planeta. Mais pessoas no mundo dos negócios reconhecendo que modelos econômicos de crescimento contínuo não levam em consideração os recursos limitados do planeta.

Neste cenário, o Propósito daria um próximo passo contundente, não apenas consolidando sua posição no mainstream dos negócios, mas estabelecendo ainda mais sua influência, fazendo com que as atividades orientadas por Propósito se tornem o paradigma dominante.

Múltiplos fatores influenciarão o desenrolar dessa situação. Mas podemos destacar duas questões inter-relacionadas que terão um papel importante para nos aproximar do cenário mais positivo.

A Performance de Empresas Orientadas por Propósito

Inevitavelmente, todos os olhos estão voltados para as empresas que já trabalham com Propósito.

Inúmeros estudos mostram como, em geral, empresas orientadas por Propósito superam seus pares sem Propósito. O desempenho dessas empresas será analisado de perto durante e após a crise, para ver seus resultados em momentos de extrema dificuldade.

Nenhuma empresa é à prova de crise.

Ter um Propósito não torna uma organização imune aos abalos em seu ambiente macro. Muitas grandes ideias e inovações focadas no social não chegarão ao mercado. Muitas excelentes empresas que estão trabalhando para criar valor da maneira certa fecharão suas portas.

No entanto, diversas evidências sugerem que empresas orientadas por Propósito estão bem preparadas não apenas para sobreviver, mas para prosperar em um contexto desafiador.

O Propósito melhora a agilidade, servindo como um guia para ajudar líderes a tomarem decisões mais rápidas e melhores. No lado do cliente, essas empresas experimentam níveis mais altos de lealdade. E internamente, a força de trabalho engajada e motivada nessas organizações está mais apta para lidar com momentos de transição, através de uma maior colaboração e resiliência.

Nesta hora da verdade, um forte desempenho de empresas orientadas por Propósito reforçará a mensagem de que elas estão melhor preparadas para lidar com a volatilidade e a complexidade do ambiente moderno de negócios. Ainda que haja variações entre setores e regiões, hoje encontramos uma massa crítica de empresas orientadas por Propósito que nos permite avaliar os benefícios em escala de uma abordagem mais consciente durante uma crise, de uma maneira que nunca vimos antes.

Ativismo do Propósito

O segundo fator envolve falar e agir.

Nesses tempos paradoxais — de isolamento físico e presença digital, de tudo em paralisia e ao mesmo tempo em fluxo — pode ser difícil manter o foco nos detalhes. O ambiente a nossa volta está mudando com extrema velocidade. Estamos tentando reaprender nosso papel dentro dele, e como interagir com ele.

Neste momento, pode haver uma tentação de observar a situação antes de agir. Mas o perigo de uma abordagem de “esperar para ver” é autoexplicativo.

Como mostrado acima, momentos de crise são sempre momentos de oportunidade. Sempre há vencedores e perdedores nesses momentos. Se as pessoas envolvidas em negócios orientados por Propósito não se impuserem para defender e promover aquilo em que acreditam, alguém fará isso em seu lugar.

Portanto, é necessário que todos aqueles que estão engajados em negócios conscientes e sociais sejam vocais e ativos neste momento.

É necessário demonstrar como muitas dessas ideias e abordagens já existentes estão prontas para apoiar a construção de um mundo pós-Covid.

Isso envolve diálogo e comunicação eficazes, por meio de canais pessoais e organizacionais. Colocando luz nas coisas que realmente importam.

Significa também adotar as abordagens corretas. Precisamos priorizar ferramentas transformadoras, que suportem a construção participativa do nosso futuro. Nessa direção, os livros “Transformative Scenario Planning” de Adam Kahane, “Who Do You Want Your Customers To Become” de Michael Schrage, e “Green Swans” de John Elkington, são altamente relevantes e instrutivos neste momento.

Arundhati Roy descreve a pandemia como um portal: “uma porta de entrada entre um mundo e o próximo”. Ela explica que temos uma escolha. Podemos atravessá-lo carregando todos os nossos velhos preconceitos e ideias mortas.

Ou podemos atravessá-lo “levemente… prontos para imaginar outro mundo”.

E, sobretudo, “prontos para lutar por isso”.

Precisamos adotar essa ideia e aplicá-la em nossas organizações.

Não é hora de recorrer ao que já sabemos. É hora de se inclinar para o desconhecido, por mais desconfortável que seja.

Sabemos que não há como voltar atrás. Mas ainda não conhecemos o novo mundo em que estamos entrando.

Precisamos imaginar, inventar, lutar por isso.

 

Artigo escrito por por Tom Moore e publicado no site Mandalah São Paulo.

https://medium.com/@mandalah_/uma-hora-da-verdade-para-o-prop%C3%B3sito-963a80db7d52

 

 

 

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