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MAGAZINE LUIZA: racismo reverso, justiça ou …
Artigo de Antonio Gomes dos Santos

Magazine Luiza: racismo reverso, justiça ou simplesmente o uso da inteligência na gestão do negócio

Para quem tem tido atenção com a pauta racial no Brasil não foi nenhuma surpresa o fato do Magazine Luiza ter aberto o processo seletivo de trainee apenas para negros. Apesar de não compor o currículo escolar e tampouco ser tema recorrente nas mídias desde que os primeiros homens negros chegaram ao Brasil na condição de escravizados uma luta foi instaurada. De lá para os nossos dias uma escalada imensa de atrocidades sustentadas por mentiras absurdas manchou de sangue o território africano e destruiu suas diversas nações. Aqui, as relações sociais constituídas, lastrearam-se na discriminação definidora de humanidade e direitos de acordo com a cor da pele e a consequente violência contra corpos negros e índios. O continente africano ainda foi espoliado de suas riquezas materiais e culturais transferidas para cofres e museus europeus. Os livros modificaram seus nomes na tentativa de impedir o seu autoconhecimento, Kemet virou Egito e ainda negaram sua história, historiadores europeus aclamados foram os negacionistas da época. Quando estudei História na Universidade de São Paulo aprendi no primeiro semestre, no Curso de Historia Antiga – Oriente, que o Egito ficava no Oriente Médio, falsificaram a geografia para não admitir o óbvio de que um povo negro antigo estabeleceu-se as margens do Rio Nilo há mais de 11 mil anos e lá formou um poderoso império. Diop, comprovou em seus estudos que os vários povos africanos, de onde saíram os homens que foram escravizados aqui herdaram sangue, cultura e valentia do Kemet. Vieram para cá não os néscios, miseráveis e carentes de civilização, mas sim hábeis portadores de conhecimentos agrícolas, ferreiros, ourives, cuidadores, curadores, príncipes, guerreiros, dentre outros. E instalados nessas terras não foram meros escravos, mas construtores de nação, lutadores e vozes em prol dos direitos e da liberdade. Entende por que 500 anos depois faz sentido e é justo cotas nas universidades e no mercado de trabalho?

Visto deste modo é de se orgulhar ter tido a participação negra na construção do país, embora não se possa dizer o mesmo de quem os escravizou. Não há como ter orgulho de quem mentiu na tentativa de apagar o conhecimento do outro, sua identidade, historia e crenças. Também, não é elogiável o desprezo aos próprios filhos mestiços mantidos nas senzalas e até vendidos a outros senhores, um exemplo gritante e bastante conhecido é o de Luiz Gama, cujo pai branco o vendeu como escravo aos 10 anos de idade após o desaparecimento misterioso de sua mãe, Luiza Mahin, uma negra livre, liderança da Revolta dos Malês ocorrida na Bahia.

Trazer à luz a historia oculta evidencia razões importantes para o resgate do papel do negro neste país de tantas mazelas por trazerem consigo um repertório de princípios éticos estruturante do relacionamento humano entre os excluídos e com toda a natureza. Além, do caráter harmonioso da sua perspectiva existencial em que espírito, corpo e razão jamais se apartam.

Mas, por certo, com objetividade, o grande acerto, voltando ao caso Magazine Luiza, é considerar que o país pode valorizar seu patrimônio de pessoas e suas competências. Como continuar mantendo depreciado o potencial de mais de 50 por cento da população produtiva da nação? Qual a inteligência de uma organização, que devido a cor da pele, relega a um plano inferior as possibilidades de desenvolvimento para 57 por cento de seus colaboradores reconhecidamente capazes? Como não agregar tais valores em seu patrimônio? Que tipo de empresário pode se prestar a tal desperdício em qualquer tempo, principalmente nestes de crise profunda?

Despida de preconceitos a leitura sobre a mobilidade das pessoas negras na sociedade brasileira esta no seu melhor momento. Sem nunca parar de lutar por seus direitos a representação dessa parcela da população brasileira move-se em agenda própria sem majoritariamente fazer concessões as diversas tendências políticas. Com propriedade recorre de modo veemente a herança dos 500 anos de persistência em que foi construído o seu legado de conquistas. A implantação das cotas universitárias resultou de décadas de articulações e muito rapidamente o cenário acadêmico mudou de tom e a maioria estudantes nos campus universitários (50,3%) hoje é negra de diversos matizes, mas orgulhosamente negra. Tudo isso em menos de duas décadas e com categoria superando o desdém daqueles que diziam que haveria queda de qualidade na produção acadêmica. Ao contrário, aguerridos e sequiosos por vitorias os cotistas exibiram melhores notas do que os não cotistas e ganharam o direito de serem disputados no mercado de trabalho que ainda teima em aceder a realidade.

O mérito dos gestores do Magazine Luiza é inconteste e deve chamar a atenção de investidores argutos que buscam a ousadia e visão futura consistentemente assentada nos melhores fatos. Leigo e medroso eu jogaria todos os meus cacifes nas ações da Magalu, me parece que a probabilidade de resultados lucrativos se ajusta a boa análise e ação arrojada.

Por fim, que insistência no erro de fabricar este tal racismo reverso! O que é isso? Se os negros pudessem se impor racialmente contra os brancos seria simplesmente racismo, mas tal premissa não é viável pelo obvio motivo de que lhes falta poder para tal. O racismo se constitui como produto do poder, sem isso não se configura e nem se sustenta. Então, o racializado esta impedido de praticar o mesmo contra o seu opressor pois, lhe falta condições e estrutura para tal. E se o Magazine Luiza tem uma massa muito maior de negros habilitados fora dos cargos de gestão e adota medida de equidade esta praticando a justiça e não a opressão por tanto, não é racista e se fosse não seria reverso.

 

Artigo de Antonio Gomes dos Santos – Filósofo, Professor, Pesquisador e Palestrante – Instagram: @antoniogomes1606 – linkedin: com/in/antonio-gomes-dos-santos-5a3a8421

 

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